"Agora
que já vimos como se deu a introdução da Mulher na Historiografia através do
artigo ESCOLA DOS ANNALES: A INTRODUÇÃO DA “MULHER” NA HISTORIOGRAFIA (Eliazar
Lopes Damasceno¹ Eliseu dos Santos Lima²), onde estudamos por tópicos veremos a
seguir um interessante artigo sobre MULHERES NA HISTORIOGRAFIA, por Vania
da Silva Fontes Santos e Maria da Piedade Santos Oliveira, que tem por objetivo
mostrar como se deu o desenvolvimento da história das mulheres juntamente com
seu processo de evolução no meio acadêmico, além de mostrar a trajetória do
tema “Mulher” na historiografia brasileira."
Para Rachel Soihet o
desenvolvimento de novos campos como a história das mentalidades e a história
cultural promovido pela Escola dos Annales, surgida em 1929, gerou uma grande
reviravolta da história nas últimas décadas. A partir daí começou a se debruçar
sobre temáticas e grupos sociais até então excluídos historicamente, como os
operários, camponeses, escravos, pluralizando-se os objetos de investigação
histórica. É mais precisamente em 1970 com a terceira geração dos Annales que
as mulheres também são incluídas como campo de estudo transformando-se em objeto
e sujeito da história.
Entretanto, é através do movimento
feminista que teve início como ideologia política no século XIX, mas que só se
expandiu nos anos 60 através das reivindicações das mulheres e dos movimentos
políticos, que a história das mulheres ganha espaço e se consolida no meio
acadêmico. Afirma Mary Del Priore que foram as feministas que fizeram a
história das mulheres antes dos historiadores criando as bases para uma
história das mulheres realizada por historiadores.
A feminização nas universidades foi
outro fator que contribuiu para as pesquisas sobre as mulheres, onde elas
procuraram investigar sobre si próprias, fazendo questionamentos, procurando
descobrir a sua própria realidade para evidenciar que as mulheres têm uma
história.
Segundo Michele Perrot um dos
raríssimos historiadores a escrever sobre as mulheres no século XIX foi
Michelet, sendo muito importante sua contribuição nesta área, pois assumia uma
postura sensível diante desta, fato não muito comum na época, já que a história
estava muito ligada ao positivismo, corrente historiográfica que se limitava a
registrar os grandes acontecimentos e os grandes homens.
Em seus escritos ele enxergava a
natureza feminina como possuidora de dois vieses, sendo por um lado, maternal e
benéfica, a da esposa e mãe, e por outro, demoníaca e maléfica, quanto se
aproximava de outras representações da mulher, como Eva ou a feiticeira. Ele
demonstrou isso em diversas fases da história da França.
Para Mariana Amorim nessa época a
mulher é encoberta por imagens ideais, por mitos e estereótipos, sendo
mascarada na historiografia. Ora elas são loucas, destruidoras das rotinas
familiares, ora estas são doces, passivas, amorosas, quietas. Enfim, a história
das mulheres aparece dentro de uma simbologia congelada, imobilizada nos
costumes, simplificando assim, a complexidade da realidade histórica.
No entanto, a história das Mulheres
só se constituiu como campo definível de estudo no século XX, especialmente nos
anos 60, sendo importante frisar que nessa época esta assumiu uma perspectiva
política devido à estreita relação com o movimento feminista. Mas nos anos 70
essa história se afastou mais da política e a produção historiográfica feminina
foi marcada pela influência marxista e o mundo do trabalho, sendo que somente
nos anos 80 esse campo ganhou o seu próprio espaço, desviando para o gênero,
saindo da política para a história especializada e daí para a análise.
De acordo com Soihet e Pedro a
categoria gênero passou a ser bastante abordada na História das Mulheres, pois
esse termo quer estabelecer que as mulheres têm uma história separada da dos
homens. Outra concepção de gênero quer apontar e modificar as desigualdades
entre os homens e as mulheres, focalizando não somente as relações entre ambos,
mas também entre os homens e entre as mulheres. O homem passou a não ter mais
caráter universal, pois o sujeito da história agora incluía homens e mulheres e
passou-se a desacreditar numa identidade única entre as mulheres e a conceber a
existência de múltiplas identidades.
Constata Soihet que as primeiras
abordagens no Brasil sobre a família e os papéis femininos devem-se a Gilberto
Freire; mas as análises do autor mostram as mulheres brancas do século XIX como
submissas, embora fique evidente o seu poder revelado nos maus tratos que estas
aplicavam às escravas suspeitas de atrair a atenção dos seus maridos. Soihet
(1997, p.293) afirma que:
...Pesquisas recentes têm
relativizado a sujeição feminina, ao trazer à tona algumas de suas rebeldias e
transgressões. Mulheres assumiam o mando da casa, gerindo negócios e
propriedades. Por outro lado, após a década de 1970, estudos demonstram
diversas formas de organização familiar entre os diferentes segmentos sociais_
no início do século XIX, a família patriarcal não chegava a representar 26% dos
domicílios...
No entanto nos alerta Tânia Silva
que no Brasil as narrativas históricas sobre as mulheres se consolidaram mesmo
nos anos 80 e foram centradas no período colonial através de relatos de
viajantes, de processos civis e criminais e da iconografia, abordando-se a
senhora de engenho e a escrava, ficando ainda muito distante de destacar as
resistências que as mulheres enfrentaram ao longo do tempo e das suas posições
como chefes de famílias e dirigentes de negócios.
Daí por diante várias escritoras
brasileiras se enveredaram por esse caminho e escreveram diversas obras sobre
as mulheres do século XIX. É considerada pioneira na historiografia brasileira
Maria Odila Leite da Silva Dias, com o livro "Quotidiano e Poder em São
Paulo no século XIX". Também podem ser citados "Do cabaré ao
Lar" de Margareth Rago, que trata da participação da mulher operária no
século XIX e suas opressões, publicado em 1985; "A condição feminina no
Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes estrangeiros",
de Miriam Moreira Leite, publicado em 1984. Em 1989 esse quadro se ampliou e
diversas autoras publicaram muitas obras referentes às mulheres como Marta de
Abreu Esteves em "Meninas Perdidas: os populares e o cotidiano do amor no
Rio de Janeiro da Belle Époque"; Raquel Soihet em "Condições
Femininas e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana,
1980-1920"; Eni de Mesquita Samara, com "As mulheres, o poder e a
família: São Paulo século XIX"; Magali Engel, com "Meretrizes e
doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro".
Mas foi somente em 1990 com a
publicação de um artigo de Joan Scott intitulado Gênero: uma categoria útil de
análise histórica da Revista Educação e Realidade que as pesquisas no Brasil
começaram a ser abordadas através da perspectiva de gênero.
Assumindo essa linha merece ser
citada a obra de Mary Del Priore "História das Mulheres no Brasil",
publicada em 1997. A obra resgata a participação feminina na construção da
história do Brasil abordando as diversas fases dessa história: a Colônia, o
Império e a República, inserindo nesse contexto como as mulheres viviam,
retratando desde a mulher índia, a burguesa, a pobre, a prostituta, enfatizando
a questão da família, da sexualidade, do casamento, da educação, do trabalho,
do cotidiano e as lutas das mulheres em uma sociedade moralista e machista,
chegando à mulher atual que conquistou o seu lugar na sociedade, mas que tem
ainda muito por fazer.
Saindo do âmbito brasileiro Michele
Perrot é uma das historiadoras que busca evidenciar a questão do gênero, haja
vista, em seus estudos mostra outra concepção da mulher substituindo a vítima,
a humilhada e oprimida por uma mulher rebelde, ativa e resistente,
desmistificando a visão das mulheres do século xix como insignificantes e
frágeis.
Sendo considerada uma das pioneiras
desses estudos na França, a historiadora deu uma contribuição imensa à História
das Mulheres escrevendo "Minha História das Mulheres" publicada em
2006 na França e em 2007 no Brasil. Através desta ela quer mostrar que as
mulheres têm uma história, destruindo a idéia incorporada pela própria mulher
de que a sua existência é sem importância, retratando como se deu a ruptura
desse silêncio e o nascimento desse campo de pesquisa. Ela aborda todas as
questões do cotidiano da mulher: maternidade, violência, sexualidade,
casamento, lutas por direitos, conquistas dos espaços público e privado até as
condições femininas nos dias atuais.
É importante ressaltar que para
construir esses estudos foi preciso recorrer a novas fontes em arquivos
particulares como fotografias, cartas, diários, registros de memória, história
oral, documentos policiais, emergindo assim outra mulher, menos submissa ao
homem, menos recolhida ao lar, mulheres que lutavam pela sua sobrevivência e
reivindicavam por seus direitos, desmistificando a idéia de que a mulher era
frágil e passiva.
Foi necessário aos historiadores
lançar mão da criatividade para se alcançar pistas que conduzissem a novos
campos de pesquisa. Embutidos da nova renovação teórica dos estudos históricos
e acompanhados de novos métodos e técnicas, estes tiveram a possibilidade de
alcançar tempos mais próximos e desenvolver estudos importantes que permitiram
uma reviravolta na historiografia das mulheres, possibilitando a todos uma nova
visão sobre tal tema.
Disponível em http://www.webartigos.com/artigos/mulheres-na-historiografia/52661/
acessos em 25/01/2013